terça-feira, 28 de setembro de 2010

O DEUS NOSSO DE CADA DIA

DEUS E EU, EU E DEUS:

Nasci numa família onde todos eram Católicos de censo. Minha mãe costumava dizer que "era tudo e não era nada". Meu pai se acredita tão superior aos outros que o "olho grande" e a macumba está sendo sempre feita para que ele não cresça. Minha irmã acredita que colocar maçã e banana pro tal elefante indiano vai fazê-la ganhar muito dinheiro e eu, batizada na igreja católica, crismada na igreja brasileira e consagrada na macumba, acreditava que Deus existia, mas nunca tive a chance de encontrá-lo.

Minha vida inteira eu era arrastava para a missa às segundas-feiras, com as velas pras almas. Sessão kardecista às terças-feiras para que o espírito de uma tia saísse de cima de mim. Igreja evangélica às quartas para participar de um culto onde um tal pastor fazia verdadeiros milagres. E, com meus pais, eu ia aos terreiros de umbanda às quintas, para consultar com pretos-velhos e caboclos e aos sábados aosterreiros de candomblé.

Imagina fazer parte de uma família que, por definição, era tudo e não era nada. Quanto mais eu crescia, todo aquele circo se mostrava tão fora da realidade. Quanto mais eu estudava e me tornava "letrada", menos aquilo tudo fazia sentido. Era um tal de rezar "quebranto", consultar tarot e ler horóscopo. Quando conheci mitologia greco-romana, fiquei encantada. Os deuses eram tão caprichosos e voluntariosos que faziam dos seres humanos verdadeiras marionetes.

Até a morte do meu filho, nunca me preocupei com religião. Enxergava Deus superficialmente. Rezava, mas devo confessar que não possuía nenhuma fé. A morte de Marcus Vinícius me fez querer ter um encontro com Deus. E se tem uma coisa que Deus gosta, é quando um ser humano quer conhecê-lo.

Fico imaginando quantas vezes Deus teve vontade de desistir de mim. Eu desistiria. Comecei roubando uma bíblia que minha tem na mesa de cabeceira e a usava como um oráculo. Quando engravidei pela segunda vez, um tal pai-de-santo, ainda veio até mim com uma história que eu deveria fazer um pequeno "trabalho", caso contrário a história do primeiro filho se repetiria. Muito mais movida pela razão que pela emoção, eu me recordo que apenas falei; "- Agora eu quero ver se Deus existe ou não. Ou eu acredito Nele, ou não. Vou pagar pra ver."

A primeira coisa que fiz foi pedir uma Bíblia como presente de amigo oculto no Natal de 1994. Ela está tão velha. Ainda a tenho guardada. Suas páginas estão tão surradas e sujas. Mas foi ali que comecei a ver nascer uma fé que hoje posso considerar inabalável.

A coisa não aconteceu da noite pro dia. Para quem é imaturo na fé e coloca as mãos sobre a Palavra de Deus, entende muito ao pé-da-letra. Se acha o maior conhecedor e julga todos e tudo como pecador. Ficamos dogmáticos demais, legalistas demais e Cristãos de menos.

Era só eu querer uma coisa e Deus estaria pronto para me atender. Mandava e desmandava em Deus. Fazia a Deus o favor de acreditar nele e, por esse motivo, achava que Deus faria tudo que eu quisesse.

Quando eu estava com 8/9 anos de idade, numa das muitas "visitas" a um Centro Espírita de Umbanda, estávamos eu, meu pai, minha mãe e minha irmã na assistência, quando veio a nosso encontro um homem, paramentado com as roupas características de caboclo, segurando uma cobra jibóia nas mãos. Inocentemente, eu vi as outras pessoas que estavam na assistência saírem correndo para fora do terreiro. Como minha mãe permaneceu parada, estando eu ao lado dela, sem entender absolutamente nada do que estava por acontecer, por absoluta falta de maturidade inerente à idade que possuía, também fiquei. Quando percebi, estava com a tal cobra andando pelo meu corpo. Fiquei paralisada de medo. Não conseguia sair do lugar. Procurei com os olhos por meus pais, aqueles que deveriam estar ao meu lado para me proteger. Minha mãe estava comigo. Nada fez para impedir que aquilo continuasse. Até hoje ela acredita em sua ignorância, que foi uma atitude de fé da parte dela. Mas meu pai, simplesmente desapareceu junto com as pessoas que fugiram. Quando ouço falar de rituais onde crianças aparecem com agulhas pelo corpo, chego a sentir calafrios, pois me recordo daquele momento onde um réptil ficou todo enroscado no meu corpo. Sei que a cobra não é venenosa. Mas ela imobiliza sua presa justamente ao se enroscar pelo seu corpo e quebrar-lhe todos os ossos.

Foi uma atitude de completa irresponsabilidade de meus pais. Mesmo minha mãe tendo permanecido ao meu lado, ela permitiu que aquilo acontecesse. Mas meu pai, numa clara demonstração de falta de amor, só pensou em si mesmo e fugiu, sem nem mesmo cogitar a possibilidade de me pegar pelas mãos e me tirar dali. Eu estava tão aterrorizada que nem cogitei me mover. Sequer chorei. Aqueles que deveriam me proteger, cuidar de mim, me abandonaram a minha própria sorte. Não sei dizer quanto tempo tive aquele animal sobre meu corpo. Mas me sinto aterrorizada até hoje. Quanta violência os pais podem fazer as suas crianças.

Portanto, aos trinta e dois anos de idade e me achando a melhor de todas as criaturas Deus ia ter que me atender.

Eu me recordo que numa noite, nem me lembro mais qual foi a razão que me levou a agir daquela forma (não devia ser nada importante, caso contrário eu me lembraria), que eu fui para o quintal da minha casa, olhei pro céu e, num acesso de fúria, comecei a gritar para Deus: "_ Eu estou aqui! Será que você não está me vendo!!!" Abaixei-me no chão, peguei uma pedra e joguei para o alto. EU JOGUEI UMA PEDRA EM DEUS!!! Dá pra imaginar atitude mais patética?

Isso não me impediu de ver a obra Dele acontecer em minha vida. Como sou muito sensível à literatura, Deus fez chegar às minhas mãos um cem número de livros dos mais diversos autores, que iam da Filosofia à auto-ajuda mais barata. Mas Ele toca mesmo nas minhas feridas através de louvores. Como eu me emocionava (e me emociono) com os louvores. É impressionante o poder que a música tem de nos transportar para o lugar onde a dor do autor foi sentida. Em sendo conduzido o ouvinte àqueles lugares, na fração de um segundo, Deus encontra a brecha para atuar.

Como eu já falei no início de minha história, foi numa missa que ouvi as palavras que mais me emocionaram na vida. Com meia dúzia de versos, alguém que eu não conhecia, conseguiu traduzir de forma muito singela o meu não conhecimento de Deus. Porque é muito complicado entender como Deus poderia ser Deus para mim, mulher trabalhadora, mãe dedicada, que procurava fazer tudo certo e ser também Deus para o assassino, ladrão ou marginal. Como é que pode Deus preferir os piores?

Um fato muito curioso aconteceu comigo quando eu era ainda uma menina: meu bisavô de oitenta e seis anos de idade havia morrido e, passados alguns dias, estando no quintal da casa do meu avô, recebi de presente um monte de maços de dinheiro. Eu devia ter uns seis anos de idade e não tinha a menor idéia do valor que o dinheiro tem. Eu me lembro que ficamos eu, minha irmã e minhas primas, brincando com aquelas cédulas. Fantasiamos que estávamos fazendo compras na feira. Eram cédulas muito coloridas, grandes, diferentes das que eu estava acostumada a ver quando tinha que ir à quitanda ou padaria fazer algum "recado" para minha mãe. E como pertenciam a mim, eu decidi que, na brincadeira eu seria a compradora e todas as outras eram feirantes. E eu humilhava a feirante que tinha os tomates imaginários de baixa qualidade. Passava direto pelas "barracas", ignorando os olhares das outras meninas, doidas para terem algumas cédulas para poderem brincar também. Ainda bem que "Deus me deu dinheiro mas não me deu poder".

A verdade é que, quando morreu, o cofre do meu bisavô foi aberto e lá dentro encontraram uma mala que ele havia deixado como herança para mim. A mala estava cheia de maços de dinheiro que ele havia juntado para deixar o futuro da primeira bisneta garantido. Só que a moeda brasileira havia sido trocada e aquela mala já não tinha nenhum valor financeiro. Mas não interessa. Um dia eu fui uma rica herdeira. Aquele dia foi um dos momentos em que mais brincamos. Tinha cédula laranja, vermelha e azul. Tudo novinha. A azul era tão linda.

Eu fui sempre uma pessoa muito solitária. Tenho poucos amigos de vida inteira. Nunca gostei de ir às festinhas e bailes na adolescência. Tive poucos namorados. Preferia ficar em casa assistindo televisão ou lendo. Gosto muito de ler. E só duas amigas que me acompanham desde a minha infância (Rejane e Valéria), sabem que eu sou assim e respeitam minhas escolhas. Preferi passar pela vida como espectadora. Numa tentativa de me proteger do sofrimento, não tomei parte da vida. Fiquei de fora.

Em chegada à vida adulta, tive que ampliar meu círculo de convivência. Tinha lá no fundo, a esperança que mais alguém poderia fazer parte da minha história além da Rejane e da Valéria. Quando alguém diferente se chegava mais perto de mim, eu sempre fazia o "teste da mala": contava a história da herança e ficava esperando qual seria a reação da pessoa. Até hoje, nunca ninguém entendeu o quanto aquela mala tinha valor. Só entendiam que o dinheiro que estava dentro da mala já não valia mais nada. Mas aquela mala é tão cheia de significados. Eu fui importante na vida daquele bisavô. Ele se preocupou comigo. Na sua senilidade, eu devia ser o referencial de realidade que ele possuía. Ele chamou para si a responsabilidade pelo meu futuro. Mesmo quando não podia fazer mais nada, além de esperar pela morte, ele se dispôs a fazer alguma coisa. Meu bisa foi o primeiro Jesus humano da minha vida.

Não, eu não vou enumerar aqui todas as vezes em que Deus me carregou no colo, exatamente como Jesus em "Pegadas na Areia".

Um dia eu li o versículo do Velho Testamento que trata da história de Jabez Gileade. Uma personagem sem nenhuma importância no contexto Bíblico. Mas ele pede que Deus aumente seus horizontes.

Prontamente, porque Deus quando vê o terreno semeado faz a chuva cair, meus horizontes se abriram. E todo "Jesus Humano" que passou pela minha vida, voltou a minha memória e trouxe luzes para minha memória afetiva. Como eu sou amada!

Definitivamente, Deus nunca mereceu aquela pedra.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

ORAÇÃO FINAL DA PREGAÇÃO "PREPARADO PARA DIZER TUDO POSSO" (PADRE FÁBIO DE MELO)

ESTA É A ORAÇÃO QUE FAÇO PARA O MEU PRÓXIMO, SEGUNDO A LITURGIA DESTA SEMANA: PARA MEUS AMIGOS E (NÃO SEI SE OS TENHO) INIMIGOS.


TUDO POSSO NAQUELE QUE ME FORTALECE.”

ÀS VEZES, A GENTE SÓ PODE DIZER “TUDO POSSO”, SE ALGUÉM ESTIVER SEGURANDO NA NOSSA MÃO. IMAGINE QUE VOCÊ ESTÁ AO MEU LADO E QUE NÓS ESTAMOS NOS ABRAÇANDO.

NESTE CORAÇÃO QUE AGORA VOCÊ ABRAÇA, EXISTEM LIMITES E POSSIBILIDADES. ÀS VEZES ELE ACRETIDA MAIS NO LIMITE E AÍ ELE FRACASSA. MAS DE VEZ EM QUANDO ELE É TEIMOSO E OUSA ACREDITAR NAS SUAS POSSIBILIDADES. E ENTÃO DEUS TEM CHANCE. CADA VEZ QUE NÓS OUSAMOS ACREDITAR NAS POSSIBILIDADES QUE NÓS TEMOS, DEUS VENCE EM NÓS.

QUANDO A GENTE INSISTE EM ACREDITAR NOS DEFEITOS, É O INIMIGO QUEM VENCE - QUANDO A GENTE INSISTE EM ACREDITAR QUE NÓS NÃO PODEMOS.


NÃO, NADA PODE SER MAIOR DO QUE NÓS. PORQUE DEUS JÁ NOS DISSE ISSO. AQUELE EM QUE O CORAÇÃO DE DEUS HABITA, É GRANDE. E NESSE CORAÇÃO QUE DEUS HABITA, SÓ PODE HAVER ESPAÇO PARA CRESCER O QUE É BOM. E HOJE NÓS QUEREMOS PEDIR QUE DEUS VENHA COM O SANGUE PRECIOSO DO SEU FILHO JESUS PARA NOS LAVAR, NOS RETIRAR DE TODO FOSSO E DE TODA LAMA.

PEÇA A DEUS POR ESSA PESSOA QUE ESTÁ TE ABRAÇANDO. PEÇA A DEUS QUE LHE CONCEDA A GRAÇA DE TUDO PODER NAQUELE QUE NOS FORTALECE. PEÇA A DEUS A GRAÇA DO PREPARO, PARA QUE ESSA PALAVRA VENHA COM FORÇA. DEUS NÃO PODE AGIR NA ALMA PESSIMISTA. ACREDITE QUE DEUS AINDA ACREDITA EM VOCÊ.

EU NÃO SEI QUAL É A DOR QUE VOCÊ TEM. QUAL É A DIFICULDADE QUE VOCÊ TEM. EU NÃO SEI QUAL É A LUTA QUE VOCÊ TRAVA. ONDE É QUE SEUS PÉS ESTÃO PRESOS. O QUE É QUE LHE IMPEDE DE CAMINHAR.

É UMA DOR? É UMA PERDA? É UMA ATITUDE? É UM VÍCIO?

O QUE É QUE ESTÁ LHE IMPEDINDO DE DIZER “TUDO POSSO”?

ESTÁ FALTANDO PREPARO?

PEÇA A DEUS QUE HOJE VENHA LHE FORTALECER.

E AINDA QUE NO MOMENTO QUE VOCÊ CANTE “TUDO POSSO”, VOCÊ AINDA NÃO POSSA SENTIR ISSO, PEÇA A DEUS QUE HOJE LHE DÊ A GRAÇA DE INICIAR ESTE TEMPO DE PREPARO NA SUA VIDA.

ELEVE SEUS BRAÇOS, ACREDITE NISSO. SUBSTITUA TODO O PESSIMISMO QUE VOCÊ TEM DENTRO DE SI. DEUS NÃO PODE AGIR NA ALMA PESSSIMISTA. LIBERTE-SE DO PESSIMISMO.

ACREDITE QUE DEUS AINDA ACREDITA EM VOCÊ. ACELERA O SEU PROCESSO DE APERFEIÇOAMENTO. FIQUE SEMPRE NO LUGAR CERTO, PARA QUE DEUS SAIBA ONDE LHE ENCONTRAR.

SE VOCÊ ESTIVER NO LUGAR CERTO, VOCÊ NUNCA ESTARÁ PERDIDA. PORQUE NÃO SE PERDE DE DEUS, AQUELE QUE OBEDECE SEUS MANDAMENTOS, AQUELE QUE NELE PERMANECE, AQUELE QUE NELE ADOECE, AQUELE QUE NELE SE CURA E AQUELE QUE NELE PRECISA MORRER. DEUS NÃO DESISTIU DE VOCÊ.

VOCÊ, TUDO PODE!!!

(Padre Fábio de Melo) – Kairós / fevereiro de 2010

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

MULHER, EIS AÍ O TEU FILHO.....

SAINDO DO SEPULCRO:

Logo após a morte do meu filho, mergulhei no trabalho, procurando não pensar em mais nada.

Um dia, ao chegar em casa, meu avô me deu a notícia de uma mulher que eu havia conhecido na maternidade cujo bebê nascera no mesmo dia que o meu, havia telefonado completamente alucinada. Desde o dia da revisão pós-parto, nunca mais havíamos nos falado. Meu avô falou que ela contara que seu filho havia morrido de uma infecção.

Passadas algumas semanas, o neto de uma vizinha de minha mãe, morreu vítima de uma pneumonia mal curada aos onze meses de idade.

Fiz um concurso público e ingressei no quadro de pessoal de uma indústria com cerca de dois mil empregados. Num lugar tão grande, é natural uma grande quantidade de dependentes dos empregados, em sua maioria filhos. Pronto, lá estava eu de novo envolvida nessa história de mães e filhos. E não demorou muito para eu me ver envolvida em outras histórias de filhos mortos. A filha de um teve uma febre, foi pro hospital e, aos vinte anos, morreu. O filho do outro estava numa festa de quinze anos, reclamou com um motoqueiro que havia passado com a moto sobre seu pé, levou um tiro e aos dezoito anos morreu. O filho da monitora foi fazer compras num supermercado, sofreu um infarto no volante, bateu com o carro no poste e, aos vinte e um anos morreu. A filha de um outro amigo, que no nascimento teve falta de oxigênio no cérebro, lutou muito mas, aos dezesseis anos, morreu. O filho de outro amigo, cujo irmão gêmeo morreu ainda no ventre da mãe e contaminou o seu sangue, depois de dezessete anos de muita luta, morreu. A neta da minha madrinha, mãe de um menino lindo que, com ano e meio de idade, contraiu uma pneumonia e morreu. O filho da minha vizinha, criado com muito sacrifício, pertencente a uma família de trabalhadores e, ele mesmo foi trabalhador, aos dezessete anos saiu de casa para passear, quando a mãe viu, chegou a notícia de que ele havia participado de um assalto e, após uma perseguição policial, morreu. Agora, chega a notícia da morte da Marcela. Minha mãe, teve o primeiro filho que morreu. Minha irmã teve a primeira filha que morreu. O irmão do meu pai, teve o primeiro filho, que morreu. Meu primeiro filho morreu.

Foi aí que me veio a tomada de consciência de minha missão nessa história. Eu não era a única e nem seria a última. Mas eu tinha que entender o porquê de estar participando de um processo que teria que ser vivido.

Foi no momento da morte do meu filho que saí do cronos e peguei aquele acontecimento que não coube no tempo e entrei no kairós. Por isso o telefonema para Cláudia era tão dolorido para mim. Cada vez que eu recebia a notícia de um filho morto, eu revivia a dor da perda do meu filho. Eu havia ficado paralisada naquele instante e nunca mais tinha saído do lugar. Não me movia, fiquei parada, estática. Nunca pude perceber que naqueles dezesseis anos, eu tive muitas oportunidades de transformar a minha dor. Num egoísmo absurdo, eu permiti que uma morte se desdobrasse em muitas mortes.

Eu tinha que ter um olhar de mãe, uma voz de mãe e um colo de mãe para todas essas mães que perderam seus filhos. Mas para ajudá-las, eu tive que passar por uma cegueira física. Tive que sair da superfície e mergulhar no mais profundo da minha alma.

Iniciar um processo de cura é tão dolorido quanto o processo da dor. Com muitas reservas olhei ainda mais uma vez para o corpo do meu filho morto, abri a porta do sepulcro onde havia entrado junto com ele e olhei para fora. Recebi uma espécie de ponta-pé no peito. Parecia que aquele tumor que estava no meu cérebro havia arrebentado. Doía tudo - física e emocionalmente. Deus me implodiu. Depois me deu todas as ferramentas que eu precisava para me reconstruir.

Na verdade, vivi a mesma experiência vivida por Zaqueu. Curiosa, subi numa árvore para assistir Deus passar. Mas minha curiosidade era verdadeira. Algumas luzes já haviam sido acesas na minha mente.

Eu já havia percebido, no meu contexto familiar, que muitos circos são armados para nos apresentar um Deus distorcido, cujos gestos, vícios e hábitos são acentuados segundo a imagem e semelhança de cada indivíduo que o apresenta. Muita besteira é falada. "Papai do Céu" está sempre pronto para nos castigar por um ou outro comportamento errado. Os espíritos só nos ajudam em alguma necessidade se nós dermos outra coisa em troca. Rituais mágicos, oráculos e adivinhações. Deus vingativo, punitivo e proibitivo. Deus ilusionista, voluntarioso e egoísta. Deus de show business.

Só que eu queria aprender de Deus. Eu queria encontrar Deus. Subi na árvore na tentativa de ver Deus. Mas aí o contrário aconteceu: do outro lado da porta do sepulcro, eu fui vista por Jesus. E Ele parou, enxergou em meus olhos a predisposição e o interesse verdadeiro. Quando Jesus olhou para mim, Ele me fez um convite: "DESCE DA ÁRVORE PORQUE HOJE EU VOU FICAR NA TUA CASA". E quando se olha nos olhos de Jesus, o amor acontece. Não havia justiça naquele olhar - apenas misericórdia. Eu não enxerguei condenação naquele olhar. Eu enxerguei redenção. E não me restou muito mais a fazer do que dar um passo em direção a Ele e descer da árvore. Imediatamente a verdade veio pra fora. Como Zaqueu, eu acolhi a redenção e me propus a reparar tudo de errado que estava vivendo. Muitas vezes, escuto de outras pessoas o mesmo comentário que Zaqueu escutou: como Ele vai ficar na casa de uma pecadora? Não me importo com o cinismo, a ironia e a falta de fé dos outros. Eu não me envergonho do que fui. Apenas me arrependo do que fiz no passado e do tanto de tempo que desperdicei. O que as outras pessoas pensam não faz a menor diferença para mim.
Acredito que Deus está me preparando para outras mortes que se aproximam. Agora mesmo, enquanto escrevo, me chega a notícia da morte do filho único de uma amiga. Menino bonito, criado entre nós. Tinha dois empregos. Com o dinheirinho suado, comprou uma motocicleta. Não foi acostumado a beber. Um dia, saiu com outro amigo e ingeriu álcool. Dirigiu tão desorientado, que foi de encontro a uma carreta numa estrada. Numa única vez em que saiu dos trilhos por uma imaturidade, morreu. E deixou morte por todos os lados: pais, família e amigos. Estão todos mortos interiormente. Ao receber a notícia, vou ao encontro da mãe que ainda não sabe da morte do filho. Entrego meu terço, a abraço e digo: não estou aqui para rezar pela cura de seu filho. Estou aqui para abraçar você. A vejo sair para receber a pior notícia de sua vida. Agora, passados oito dias, irei ao seu encontro. Terei que ajudá-la a viver o processo dessa dor. É minha missão. Por isso, tiro a sandália dos meus pés pois caminharei sob um coração santo.

Eu não posso mais virar as costas e fingir que nada aconteceu. Estou comprometida demais. Não vou me permitir ter preconceitos diante dos seres humanos. Tanto o coração da mãe da bebê quanto o coração da mãe do assaltante, são territórios santos, cujos solos têm que ser respeitados. A dor da mãe do assassino não é menor que a dor da mãe do santo.

O tal padre-cantor / cantor-padre disse em uma de suas homilias que, se ele pudesse pedir a Deus um dom, seria o dom de ressuscitar os filhos mortos. É seu padre, seu dom está em ressuscitar as mães dos filhos mortos.

Humano demais

Padre Fábio de Melo
Eu fico tentando compreender
o que nos teus olhos pôde ver
Aquela mulher na multidão
Que já condenada acreditou
Que ainda havia o que fazer
que ainda restara algum valor
E ao se prender em teu olhar
por certo haveria de vencer
E assim fizeste a vida retornar aos olhos dela
E quem antes condenava se percebe pecador
Teu amor desconcertante
força que conserta o mundo
Eu confesso não saber compreender
Sou humano demais pra compreender
humano demais pra entender
Este jeito que escolheste de amar quem não merece
Sou humano demais pra compreender
humano demais pra entender
Que aqueles que escolheste e tomaste pela mão
Geralmente eu não os quero do meu lado
Eu fico surpreso ao ver-te assim
trocando os santos por Zaqueu
E tantos doutores por Simão
alguns sacerdotes por Mateus
E, mesmo na cruz, em meio a dor
Um gesto revela quem tu és
Te tomas amigo do ladrão
só pra lhe roubar o coração
E assim foste o contrário, o avesso do avesso
E por mais que eu me esforce
Não sei bem se te conheço
Tu enxergas o profundo, Eu insisto em ver a margem
Quando vês o coração, Eu vejo a imagem

REALIDADES QUE NOS ESCRAVIZAM

NA DIREÇÃO CERTA MAS NO SENTIDO ERRADO:


Dessa vez, eu me percebo com grande poder de fogo. Assim, como uma dessas casualidades inexplicáveis que nos acontecem num dia. Eu havia acabado de receber a notícia que era portadora de esclerose múltipla. Possuidora de um tumor cerebral que não me condenava à morte, mas que não me permitiria enxergar nitidamente nunca mais. Eu teria que conviver com uma limitação física. Mas o interessante da história foi que busquei consolo para uma doença física. E acabei entrado num processo de cura interior que não parou nunca mais.

Ante o impacto de um diagnóstico desses, procurei auxílio religioso na Canção Nova. Possuidora de um sentimento de auto-comiseração, escrevi um email lamentando minha condição e esperava consolo e alguma promessa de que seria feita uma oração por mim. Como resposta, recebi um link para ouvir uma pregação do Padre Fábio de Melo.

Até então, era apenas mais um padre-cantor ou cantor-padre. Bonito demais. Eu o havia visto num programa vespertino de televisão e o achei tão desconfortável. A princípio confundi aquele olhar com imaturidade profissional. Era um menino muito novinho. E de repente, por conta da busca do consolo espiritual, cliquei no link da pregação.

Como ter fé no Sofrimento” foi o primeiro passo que dei em direção a minha cura. Daí, eu soube de um livro: “Quem me roubou de mim” (eu li). Ainda digerindo as informações da pregação e do livro, vou à missa de um mês de falecimento de minha tia, e ouço um louvor que colocou em palavras a dor que habitava dentro de mim: “sou humano demais para entender...”.

Eu literalmente desabei. Chorei o choro mais profundo que um ser humano pode chorar. Foi pedaço meu para todos os lados. Eram tantos cacos que tentar colá-los de volta seria um quebra-cabeças insolúvel.
Cheguei em casa em estado letárgico. Aquelas palavras estavam todas embaralhadas na minha cabeça. Eu percebia uma tempestade se aproximando. Eu ouvia uns sons a minha volta. Tinha pedido a Deus um milagre: pedi por minha cura física. Há menos de um ano atrás, eu rezei achando que voltaria para a vidinha pequena e limitada que eu considerava ideal. Hoje, dez meses depois, eu posso com certeza afirmar que Deus fez o que quis de mim. Foi lá no início da minha existência e veio consertando tudo de errado que encontrou pelo caminho. E Ele, sem nem me consultar, ignorando qualquer forma de protesto que eu tentasse fazer, respondendo ao meu pedido por uma cura física lá do início, me colocou num caminho, não de uma vida ideal, mas de uma vida certa. Eu me rendi. Entreguei os pontos. E comecei a viver a maior história de amor que um ser humano pode experimentar. Cortinas se abriram e enigmas foram desvendados. Quando mergulhei no que Santa Faustina chamou de "Abismo de Misericórdia", ergui meus olhos em ascensão ao céu.

Aquele desconforto que percebi no tal padre-cantor / cantor-padre não era imaturidade profissional. Era maturidade demais para responder com muita polidez àqueles clichês absurdos: “Por que você quis ser padre se é tão bonito? Você pode ser cantor sem ser padre. Como é o comportamento das meninas diante da sua opção de ser padre?...”. Que absurdo. Só quem consegue enxergar a ponta desse iceberg pode perceber que não é ele quem está no lugar errado. As perguntas das entrevistas é que são superficiais demais diante de tudo que este camarada tem para fazer de mudança – para melhor – na vida dos seres humanos. Vai doer. Vai causar confusão. Vai te dar uma raiva danada. Mas vai fazer exatamente aquilo que ele sabe ser o seu papel nesta vida: pegar um ser humano que está na direção de Deus, mas trilhando o sentido contrário e fazer esse ser humano ser feliz.

estou abrindo as páginas da minha vida para você ler

UM POEMA INFANTIL:



SORRIA:


SORRIA, VOCÊ É SINCERO.
SORRIA, VOCÊ NÃO É COMO NERO.
SORRIA, VOCÊ PODE CANTAR.
SORRIA PORQUE O AMOR É COMO O MAR.
SORRIA, EU SOU JESUS.
EU ESTOU SENTADO E SORRINDO AOS PÉS DA CRUZ.



Quando eu estava com onze anos de idade, ganhei de presente de uma amiga de escola, Cláudia Riguetti, um livro cujo título, Sorrindo, foi escrito por um autor católico, Neimar de Barros. Durante muito tempo eu me interessei pelos livros deste autor e foi através dele que formei minha opinião sobre o aborto, através de uma poesia chamada “Pequena epopéia de uma passageiro terreno”. O livro de maior expressão dele, Deus Negro, na época causou muita polêmica. Vivíamos em plena Ditadura Militar e a censura atuava até nas cantigas de roda. Esse livro falava de um Jesus com origem na raça negra.

O interessante desse fato foi que a primeira poesia que escrevi, Sorria, foi inspirada neste livro. Poesia sem nenhuma pretensão artística. Poesia infantil e descompromissada. Mas já inspirada Naquele que viria a ser, trinta e cinco anos depois, o meu maior inspirador.

Portanto, o relato que você lerá a seguir foi escrito por mim, mas os direitos autorais do mesmo pertencem a JESUS CRISTO.
COMO TUDO COMEÇOU:


Hoje, dia 14 de julho de 2010, mais uma vez meu telefone tocou: a filha de 22 anos de uma amiga do trabalho havia morrido. Não, eu não quero ouvir. Eu não quero saber de mães que perderam seus filhos. Por quanto tempo mais essa notícia vai me chegar? Quantas vezes mais essa dor vai me atingir? Eu nego e não aceito a notícia. Mas a notícia chega, a dor vem – porque essa mãe e essa filha eu conheço. Tenho fotos com elas. Tenho histórias com elas. Essa família não passou pela minha vida como um esbarrão. Eu já havia olhado nos olhos das duas. Como eu poderia sair correndo e fugir?

Mecanicamente eu peguei o telefone e liguei para aquela mãe. Pude antever a dor que iríamos sentir. Não era apenas mais um gesto autômato de consolar. Eu tinha que me preparar. Eu tinha que, "Tirar as sandálias dos meus pés porque aquele território é santo.” Eu tinha que chorar. E o pior de tudo, eu tinha que colocar aquela mãe no colo e mais uma vez viver a morte do meu filho.

Respirei fundo e disquei. Não adiantava traçar um roteiro para seguir. Eu conheço o processo. Há dezesseis anos ele vem ao meu encontro. Foram muitos pais que viveram a experiência da perda de um filho. Pais que, de alguma forma, estiveram ao meu redor. Não eram mortes que eu li nos jornais ou ouvi nas rádios e nas redes de TV. Eram mortes próximas que me orbitavam. Dói demais.

PEQUENA EPOPÉIA DE UM PASSAGEIRO TERRENO

Pequena Epopéia de um Passageiro Terreno



Dia trinta e um de janeiro:
lá fora, um imenso povo,
aqui dentro, um passageiro
disfarçado em célula ovo.

Quinze de fevereiro, já sou embrião
Já pressinto alegria da mãe sofredora,
Que ignora que vivo e, então
Sou um incógnito numa câmara incubadora

Dia vinte e cinco, nada vai mal
O tubo cardíaco começou a bater
E o cérebro e a medula espinhal
Já estão comigo a nascer

Dois de Março, me surpreendo:
meço três milímetros, não é?
Mamãe se enjoa e muito sofrendo
não pode tomar um tal de café

Já se delineiam o meu formato
minhas perninhas, meus bracinhos
meu desenvolvimento já é um fato
e eu percebo que terei carinho.

Primeiro de Abril, parece mentira
já sei o sexo que me deu o destino
Felizmente dentro de mim não há ira
Porque eu juro, sempre quis ser menino!

Oito de abril, progrido demais,
A natureza tantas surpresas me lança
Estou feliz, nem mais embrião sou mais
Sou feto...sou fato, sou quase criança.

Dez de abril, estou me sentindo gente
Estou aqui torcendo pelo tempo
Torcendo para que de repente
Esta caverna me deixe livre como o vento.

Alegra-me que a ciência, não tenha
Em um frasco me colocado
Pois o papel que o ventre desempenha
É importante para que eu seja amado

Dez de abril, mamãe me sente como sua dor
Sou parte dela e por ela irei ao mundo
sou resultado de um grande amor
De quem deu o que lhe havia de mais profundo

Em seu organismo, vivo e me alimento
somos dois seres, incrustados num só
E ainda muito confuso aqui dentro
eu temo por seu sofrer e sinto dó

Quinze de abril, mamãe
saiu. Perguntaram-lhe,
não houve resposta
Hoje...
Hoje mamãe me assassinou!



(Neimar de Barros)

como se dá a morte de um filho

Eu olho para aquele corpo inerte, sem vida, e não acredito. Ainda pouco ele se mexia. Agora, nenhum movimento. O peito não se movia. Era como se ele tivesse perdido a coragem para respirar. Estava morto. A voz do médico ainda chega aos meus ouvidos me dando a notícia que mãe nenhuma deveria escutar: seu filho está morto.

Eu choro. Dói tanto. E não é uma dor que vem grande e vai diminuindo. Não há nenhum analgésico que vai aliviar. Ao contrário: ela chega com muita intensidade e, quando você acha que não tem como ficar maior, ela cresce, aumenta, se expande. A dor de botar pra fora, agora vem em sentido contrário. E a sensação que se tem é a de que o canal do amor aberto pela passagem daquela criança através das tuas entranhas, fizesse o caminho contrário e o amor voltasse todo pra dentro de você. E ele não cabe mais lá dentro. Como é que você coloca pra dentro um filho que já saiu? Mas você tem que colocar. E agora, eu pensei, o que eu faço com todo esse amor? Tá sobrando. E amor de sobra causa tantos problemas quanto amor que falta.

Não adianta ninguém vir falar que você deve pegar esse amor e colocar em outro lugar. Aquele amor veio junto com o DNA da pessoa que morreu. Só será compatível com aquela pessoa. Fica ainda muito mais difícil quando a pessoa morta é uma criança. Porque a criança ainda não teve tempo de apresentar comportamentos e traços de personalidade próprios, o que acomodaria o amor através de uma vida trilhada. E fica insuportável quando a pessoa morta é um bebê. Aquela coisinha frágil que vem às nossas mãos só nos pede carinho, afeto e cuidado. E qualquer fêmea do reino animal, uma mãe, quando olha para seu filhote recém nascido, avança em direção às possíveis ameaças à sua cria e defende o ameaçado com unhas e dentes. Somos puro instinto. Não há camada de verniz colocada sobre a crosta humana que seja capaz de disfarçar o instinto de defesa da cria. Amor recém nascido apenas apresenta o cordão vital. Ele jorra com toda a força inerente ao nascimento. Não possui válvulas de controle de quantidade. Não é como o rio que possui uma nascente e vai crescendo pelo caminho. Ele vaza pelo seio materno. Não há cerca que consiga detê-lo. Todas as represas são arrebentadas.

Quando você percebe a carne da tua carne entrando num sepulcro, a vontade que temos é de ir junto. Não fosse o instinto de preservação animal, acho que as mães seriam os únicos seres de nossa espécie capazes de baixar o sepulcro junto com um filho. Queremos colocá-lo nos braços e fazer o movimento natural do acalanto.

Nesse momento, meus olhos só puderam se enxergar nos olhos de Maria, a mãe de Jesus. A cena do filme "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson, consegue retratar com muita fidelidade e sensibilidade a dor de segurar nos braços o filho morto. Nessa fração de segundo, nenhuma mulher no mundo será capaz de ser consolada. Não há coadjuvantes nessa história. Somos eu e meu filho os únicos protagonistas. Portanto, todas as outras pessoas que estiverem em nossa órbita, deveriam apenas nos permitir chorar. Quando muito, podem chorar conosco. Mas abraços e palavras são absolutamente dispensáveis.

Hoje, através do conhecimento que adquiri no meu processo de cura interior, me percebo consagrada no fogo e no sangue.

Não houve nenhum outro personagem bíblico que tivesse maior poder de superação que Maria. Retire dessa mulher todo o contexto divinal. Perceba Maria apenas como mulher de sua época, casada e mãe de muitos filhos. Cada um com sua característica pessoal de personalidade. Lavando, passando, cozinhando e tecendo. Cuidando dos afazeres da vida como qualquer uma de nós. Muito pobre, mulher de um carpinteiro, devia ter que auxiliar José no sustento familiar. Devia ter que receber um ou outro comprador que aparecesse em sua casa para encomendar um móvel justamente na hora em que José havia ido visitar algum fornecedor ou freguês. Uma mulher como tantas de nós. Mãe solteira do primogênito. Carregava dentro de si a culpa de ver o marido prover o sustento do filho de Deus. Uma história absolutamente atual, que se passou há mais de dois mil anos atrás.

Maria devia sofrer quando o filho mais velho entrou na adolescência e começou a questionar toda uma postura religiosa que se aplicava no dia-a-dia. Ele não questionava Deus. Ele trazia uma leitura e interpretação totalmente nova sobre a imagem Divina. Em sendo o Filho de Deus o próprio Deus encarnado, Ele se fez humano a fim de se apresentar para um mundo por Ele criado, mas que o enxergava de forma absolutamente distorcida.

E lá estava Maria, ouvindo seu filho dar uma interpretação completamente nova do Divino. Questionando tudo o que havia sido ensinado para ela através de dogmas e doutrinas milenares porque podia perceber que aquilo que seu filho falava fazia muito mais sentido. Ela sabia que, mais cedo ou mais tarde algo de ruim aconteceria ao seu filho. Seria o resultado das escolhas que Ele havia feito ao fazer o relógio girar no sentido anti-horário. A morte sempre foi o caminho natural de todos os mártires que ousaram questionar o sistema. Quem não se encaixa, até os dias de hoje, é excluído, exilado e morto, tanto físico quanto moralmente. A história do Cristo só sobreviveu porque era a história do próprio Deus. Caso contrário, seria apenas mais um a ter a cabeça decepada, como aconteceu com João Batista.

Mulheres são seres humanos como quaisquer outros. Mas mulheres que passam pela experiência de ter um filho morto nos braços, são a exceção do processo. Nós não somos a regra. Podemos interceder pelos outros porque possuímos uma visão mais dilatada da dor humana. Recebemos de Deus uma marca que vai nos permitir intervir em qualquer processo humano. Somos merecedoras do respeito e devemos lutar para sermos respeitadas. Uma palavra nossa, quando dita através do olhar de quem viveu completamente a perda, tem poder com os homens e, acima de tudo, tem poder com Deus. Pagamos um preço tão alto que nenhum outro ser consegue se ver em nosso lugar. Somos mais que Abraão. Deus provou a nossa fé tirando o que para nós era o mais precioso. Por isso mãe de filho morto, chore seu filho, sinta a dor mais profunda que um ser humano pode conceber. Depois disso, lembre-se do que foi dito pelo Cristo para Maria: "- Mãe, eis aí o teu filho." Erga-se e vá ser mãe de toda a humanidade. Ao fazer isso, aquele amor que voltou para dentro de você, fluirá em sua plenitude. Porque você estará sacramentada e sacrificada no fogo mais intenso e batizada na água mais pura. E esse fogo e essa água terão como propósito único curar todas as dores do mundo.

Seria muita infantilidade minha, me considerar capaz de definir e explicar o amor. Nem mesmo o amor que sinto. Deixo isso a cargo dos poetas. Fernando Pessoa disse com muita propriedade que "... Dizem que finjo ou minto, tudo que escrevo, não. Eu simplesmente sinto com a imaginação, não uso o coração. Sentir, sinta quem lê."