DEUS E EU, EU E DEUS:
Nasci numa família onde todos eram Católicos de censo. Minha mãe costumava dizer que "era tudo e não era nada". Meu pai se acredita tão superior aos outros que o "olho grande" e a macumba está sendo sempre feita para que ele não cresça. Minha irmã acredita que colocar maçã e banana pro tal elefante indiano vai fazê-la ganhar muito dinheiro e eu, batizada na igreja católica, crismada na igreja brasileira e consagrada na macumba, acreditava que Deus existia, mas nunca tive a chance de encontrá-lo.
Minha vida inteira eu era arrastava para a missa às segundas-feiras, com as velas pras almas. Sessão kardecista às terças-feiras para que o espírito de uma tia saísse de cima de mim. Igreja evangélica às quartas para participar de um culto onde um tal pastor fazia verdadeiros milagres. E, com meus pais, eu ia aos terreiros de umbanda às quintas, para consultar com pretos-velhos e caboclos e aos sábados aosterreiros de candomblé.
Imagina fazer parte de uma família que, por definição, era tudo e não era nada. Quanto mais eu crescia, todo aquele circo se mostrava tão fora da realidade. Quanto mais eu estudava e me tornava "letrada", menos aquilo tudo fazia sentido. Era um tal de rezar "quebranto", consultar tarot e ler horóscopo. Quando conheci mitologia greco-romana, fiquei encantada. Os deuses eram tão caprichosos e voluntariosos que faziam dos seres humanos verdadeiras marionetes.
Até a morte do meu filho, nunca me preocupei com religião. Enxergava Deus superficialmente. Rezava, mas devo confessar que não possuía nenhuma fé. A morte de Marcus Vinícius me fez querer ter um encontro com Deus. E se tem uma coisa que Deus gosta, é quando um ser humano quer conhecê-lo.
Fico imaginando quantas vezes Deus teve vontade de desistir de mim. Eu desistiria. Comecei roubando uma bíblia que minha tem na mesa de cabeceira e a usava como um oráculo. Quando engravidei pela segunda vez, um tal pai-de-santo, ainda veio até mim com uma história que eu deveria fazer um pequeno "trabalho", caso contrário a história do primeiro filho se repetiria. Muito mais movida pela razão que pela emoção, eu me recordo que apenas falei; "- Agora eu quero ver se Deus existe ou não. Ou eu acredito Nele, ou não. Vou pagar pra ver."
A primeira coisa que fiz foi pedir uma Bíblia como presente de amigo oculto no Natal de 1994. Ela está tão velha. Ainda a tenho guardada. Suas páginas estão tão surradas e sujas. Mas foi ali que comecei a ver nascer uma fé que hoje posso considerar inabalável.
A coisa não aconteceu da noite pro dia. Para quem é imaturo na fé e coloca as mãos sobre a Palavra de Deus, entende muito ao pé-da-letra. Se acha o maior conhecedor e julga todos e tudo como pecador. Ficamos dogmáticos demais, legalistas demais e Cristãos de menos.
Era só eu querer uma coisa e Deus estaria pronto para me atender. Mandava e desmandava em Deus. Fazia a Deus o favor de acreditar nele e, por esse motivo, achava que Deus faria tudo que eu quisesse.
Quando eu estava com 8/9 anos de idade, numa das muitas "visitas" a um Centro Espírita de Umbanda, estávamos eu, meu pai, minha mãe e minha irmã na assistência, quando veio a nosso encontro um homem, paramentado com as roupas características de caboclo, segurando uma cobra jibóia nas mãos. Inocentemente, eu vi as outras pessoas que estavam na assistência saírem correndo para fora do terreiro. Como minha mãe permaneceu parada, estando eu ao lado dela, sem entender absolutamente nada do que estava por acontecer, por absoluta falta de maturidade inerente à idade que possuía, também fiquei. Quando percebi, estava com a tal cobra andando pelo meu corpo. Fiquei paralisada de medo. Não conseguia sair do lugar. Procurei com os olhos por meus pais, aqueles que deveriam estar ao meu lado para me proteger. Minha mãe estava comigo. Nada fez para impedir que aquilo continuasse. Até hoje ela acredita em sua ignorância, que foi uma atitude de fé da parte dela. Mas meu pai, simplesmente desapareceu junto com as pessoas que fugiram. Quando ouço falar de rituais onde crianças aparecem com agulhas pelo corpo, chego a sentir calafrios, pois me recordo daquele momento onde um réptil ficou todo enroscado no meu corpo. Sei que a cobra não é venenosa. Mas ela imobiliza sua presa justamente ao se enroscar pelo seu corpo e quebrar-lhe todos os ossos.
Foi uma atitude de completa irresponsabilidade de meus pais. Mesmo minha mãe tendo permanecido ao meu lado, ela permitiu que aquilo acontecesse. Mas meu pai, numa clara demonstração de falta de amor, só pensou em si mesmo e fugiu, sem nem mesmo cogitar a possibilidade de me pegar pelas mãos e me tirar dali. Eu estava tão aterrorizada que nem cogitei me mover. Sequer chorei. Aqueles que deveriam me proteger, cuidar de mim, me abandonaram a minha própria sorte. Não sei dizer quanto tempo tive aquele animal sobre meu corpo. Mas me sinto aterrorizada até hoje. Quanta violência os pais podem fazer as suas crianças.
Portanto, aos trinta e dois anos de idade e me achando a melhor de todas as criaturas Deus ia ter que me atender.
Eu me recordo que numa noite, nem me lembro mais qual foi a razão que me levou a agir daquela forma (não devia ser nada importante, caso contrário eu me lembraria), que eu fui para o quintal da minha casa, olhei pro céu e, num acesso de fúria, comecei a gritar para Deus: "_ Eu estou aqui! Será que você não está me vendo!!!" Abaixei-me no chão, peguei uma pedra e joguei para o alto. EU JOGUEI UMA PEDRA EM DEUS!!! Dá pra imaginar atitude mais patética?
Isso não me impediu de ver a obra Dele acontecer em minha vida. Como sou muito sensível à literatura, Deus fez chegar às minhas mãos um cem número de livros dos mais diversos autores, que iam da Filosofia à auto-ajuda mais barata. Mas Ele toca mesmo nas minhas feridas através de louvores. Como eu me emocionava (e me emociono) com os louvores. É impressionante o poder que a música tem de nos transportar para o lugar onde a dor do autor foi sentida. Em sendo conduzido o ouvinte àqueles lugares, na fração de um segundo, Deus encontra a brecha para atuar.
Como eu já falei no início de minha história, foi numa missa que ouvi as palavras que mais me emocionaram na vida. Com meia dúzia de versos, alguém que eu não conhecia, conseguiu traduzir de forma muito singela o meu não conhecimento de Deus. Porque é muito complicado entender como Deus poderia ser Deus para mim, mulher trabalhadora, mãe dedicada, que procurava fazer tudo certo e ser também Deus para o assassino, ladrão ou marginal. Como é que pode Deus preferir os piores?
Um fato muito curioso aconteceu comigo quando eu era ainda uma menina: meu bisavô de oitenta e seis anos de idade havia morrido e, passados alguns dias, estando no quintal da casa do meu avô, recebi de presente um monte de maços de dinheiro. Eu devia ter uns seis anos de idade e não tinha a menor idéia do valor que o dinheiro tem. Eu me lembro que ficamos eu, minha irmã e minhas primas, brincando com aquelas cédulas. Fantasiamos que estávamos fazendo compras na feira. Eram cédulas muito coloridas, grandes, diferentes das que eu estava acostumada a ver quando tinha que ir à quitanda ou padaria fazer algum "recado" para minha mãe. E como pertenciam a mim, eu decidi que, na brincadeira eu seria a compradora e todas as outras eram feirantes. E eu humilhava a feirante que tinha os tomates imaginários de baixa qualidade. Passava direto pelas "barracas", ignorando os olhares das outras meninas, doidas para terem algumas cédulas para poderem brincar também. Ainda bem que "Deus me deu dinheiro mas não me deu poder".
A verdade é que, quando morreu, o cofre do meu bisavô foi aberto e lá dentro encontraram uma mala que ele havia deixado como herança para mim. A mala estava cheia de maços de dinheiro que ele havia juntado para deixar o futuro da primeira bisneta garantido. Só que a moeda brasileira havia sido trocada e aquela mala já não tinha nenhum valor financeiro. Mas não interessa. Um dia eu fui uma rica herdeira. Aquele dia foi um dos momentos em que mais brincamos. Tinha cédula laranja, vermelha e azul. Tudo novinha. A azul era tão linda.
Eu fui sempre uma pessoa muito solitária. Tenho poucos amigos de vida inteira. Nunca gostei de ir às festinhas e bailes na adolescência. Tive poucos namorados. Preferia ficar em casa assistindo televisão ou lendo. Gosto muito de ler. E só duas amigas que me acompanham desde a minha infância (Rejane e Valéria), sabem que eu sou assim e respeitam minhas escolhas. Preferi passar pela vida como espectadora. Numa tentativa de me proteger do sofrimento, não tomei parte da vida. Fiquei de fora.
Em chegada à vida adulta, tive que ampliar meu círculo de convivência. Tinha lá no fundo, a esperança que mais alguém poderia fazer parte da minha história além da Rejane e da Valéria. Quando alguém diferente se chegava mais perto de mim, eu sempre fazia o "teste da mala": contava a história da herança e ficava esperando qual seria a reação da pessoa. Até hoje, nunca ninguém entendeu o quanto aquela mala tinha valor. Só entendiam que o dinheiro que estava dentro da mala já não valia mais nada. Mas aquela mala é tão cheia de significados. Eu fui importante na vida daquele bisavô. Ele se preocupou comigo. Na sua senilidade, eu devia ser o referencial de realidade que ele possuía. Ele chamou para si a responsabilidade pelo meu futuro. Mesmo quando não podia fazer mais nada, além de esperar pela morte, ele se dispôs a fazer alguma coisa. Meu bisa foi o primeiro Jesus humano da minha vida.
Não, eu não vou enumerar aqui todas as vezes em que Deus me carregou no colo, exatamente como Jesus em "Pegadas na Areia".
Um dia eu li o versículo do Velho Testamento que trata da história de Jabez Gileade. Uma personagem sem nenhuma importância no contexto Bíblico. Mas ele pede que Deus aumente seus horizontes.
Prontamente, porque Deus quando vê o terreno semeado faz a chuva cair, meus horizontes se abriram. E todo "Jesus Humano" que passou pela minha vida, voltou a minha memória e trouxe luzes para minha memória afetiva. Como eu sou amada!
Definitivamente, Deus nunca mereceu aquela pedra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário